Meu querido diário,
Achei esse trecho escrito a mão, num papel esquecido na minha caixa de fotos. Achei tão melancolica. Vou reproduzir aqui.
"Minha primeira noite na Vila Mariana. Deitei na cama do meu novo quarto e fiquei olhando as paredes tão bem pintadas, tudo limpinho e agradável, como eu gosto. Somente o abajur acesso para criar uma atmosfera mais intimista. E para completar, um som baixo que alimenta meu espírito de bons pensamentos, reflexões, esperanças. Estou deitada e sinto o Universo girar em torno de mim e todos sentimentos me visitando. Apesar da música inspirar belos passeios, me deixo levar por todas as emoçoes. Estou sóbria e quero sentir tudo intensamente, para conhecer, entender e encarar meus medos, meus amores e meus pecados.
Como num sonho as imagens se misturam: penso no amor da minha vida. Ele poderia estar agora nesse quarto, ouvindo essa música e me beijando. Quando ele me beija é como se nada mais existisse no mundo. O tempo pára e a vida silencia. Nada mais importa. A vida toda resumida num beijo de amor. Penso no seu sorriso. Essa cama faz muito barulho, quando ele vier é melhor colocar o colchão no chão. Quando ele vier. Ele virá. E faz mais de 2 anos! Como passa o tempo! Lembro do primeiro contato, do primeiro encontro. E da emoção de beijar alguem que faz seu coração bater mais rápido. Será que ele vem me visitar? Ele nao conhece São Paulo direito. Acho que vamos nos encontrar no lugar de sempre. Sempre.
"Aonde vim parar?" - penso. Durante quase 3 anos recomeço todos os dias. É uma luta cigana constante e meu coraçãozinho sempre apertado. Apesar de meus olhos nao derramarem nenhuma lágrima há muito tempo, meu coração chora. Lembro de um poema de Drummond "Chega o tempo em que não se diz mais - Meu Deus - tempo de absoluta depuração - Tempo em que nao se diz mais - Meu amor - porque o amor resultou inutil. E os olhos não choram e as mãos tecem apenas o rude trabalho. Alguns achando bárbaro o espetáculo / prefeririam os delicados morrer. Chegou um tempo que nao adiante morrer. / chegou um tempo que a vida é uma ordem. A vida apenas. Sem mistificação."
Vivi a descontrução das minhas ideologias e fantasias.
Encontro a música. Minha salvação. A arte que mais se aproxima da beleza dionísica concebida como êxtase. Liberta. Quando estou triste ouço uma bela canção e até fico felz por estar representando uma bela cena.Estou triste e estou feliz, porque essa tristeza aliada a música me inspira."
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